domingo, 7 de junho de 2020

Caixas que se abrem.


É! Não tem jeito. São as caixas que se abrem.
Hoje depois de um " papo cabeça " em que explanei para meu neto, criança que aos poucos se vê  na complexidade do crescer ....e que no labirinto das emoções se sente perdido...e que se perde.
A cada passo uma descoberta.
A cada volta um questionamento, dúvidas que surgem do nada.
Expliquei sobre as caixinhas da mente .
Que se abrem desordenadas.
E que confusas,  embaralham conteúdos.
E que embaralhadas , nos confundem.
Falei sobre ter o controle nas mãos e fechar as caixinhas na hora em que precisam estar fechadas e sobre abrir as caixas certas.

Na exposição " Simplesmente azul. " pintei o quadro Os pássaros.
Pássaros abstratos fugindo num túnel de luz.
Expliquei num poema singelo:

Pálido céu azul.
Os pássaros começaram a cantar.
Talvez porque a manhã vencera a noite
e um vento de primavera varrera o espaço...
Ou porque se apagara a última estrela
e o sol tingira de rosa as nuvens viajantes.
Eles principiaram a cantar
e o som fino de cristal inundou a expansão.
As gaiolas se fizeram em chamas,
quando todos fugiram.
Acesos nos vidros do sol!

Pensamentos soltos.
Que escaparam há mais de quinze anos e só agora fizeram sentido.
Ah! Nossa mente-gaiola.
Onde nossas emoções  aos poucos desaprendem a cantar.
Que encerra nossos pensamentos, que fragilizados desaprendem a voar.
Gaiola que nos aprisiona e nos silencia.
Mas a manhã sempre vence a noite.
Por uma pequena  brecha, a luz rompe e com sua força derruba as grades...
que se fazem em chamas...

E eles fogem....
Acesos nos vidros do sol!

Bernadeth Rocha

Quadro : " Os pássaros"
 de Bernadeth Rocha










sexta-feira, 22 de maio de 2020

Entre folhas e pensamentos.





Ontem uma fagulha quase extinta se reacendeu....um sopro....
Varrer o quintal me inspira.
O som ritmado da vassoura arrastando  a areia, as folhas impelidos pela palha e os pensamentos soltos....buscando palavras....
Um gancho....morte....
Muitas vidas ceifadas pela Covid 19. Epidemia já aguardada e profetizada.
Acontece a cada 11anos, mais ou menos  e um surto severo a cada 30 anos. Já estava no limite dos tempos .
A vassoura arrastando a areia....
E a lembrança de uma amiga querida hospitalizada.  Também se agarrando a vida que aos poucos se tornou um fio, cada vez mais fino...
Pensamentos soltos....
Folhas impelidos pelo vento....

Silêncio...
Absoluto.
Negro?
Cinza?
Deve ser cinza...
Sinto que no negro lateja a vida.
Silêncio !
Sem cor...
Sem cheiro...
Sem toques...
Sem gosto.

Só  o silêncio.
Intenso.
Já não pensa.
Já não faz.
Já não é.
Mais nada.....
Silêncio.
Sem lembrança...
Sem tempo...
Sem dor...
Só resta aguardar
que se reacenda
a fagulha
que se apagou.....

e as folhas secas se enroscando aos pensamentos... impelidos pelo vento.....

Bernadeth Rocha


quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Um bom lugar para ler um livro

Horário de verão nos engana...quando vemos o presente se fez ontem , o amanhã já se faz presente.... e os olhos se apertam , ressecados pelo sono e pela luz do monitor que já deveria estar também descansando no escuro depois de um dia intenso de atividades, praga moderna da tecnologia que nos rouba as preciosas e necessárias horas de repouso (houve um tempo em que pensei que dormir seria desperdício de vida,aliás, acho que a ânsia de viver da juventude nos ilude, mal  sabíamos que na verdade, o repousar nos acrescenta dias de vida! )
Relutei, mas fui vencida. Religuei. Queria ver um blog que minha filha viu, e acabei pousando em meu abandonado "Arte é viver". Última postagem em 12 de setembro de 2012, muitas histórias se contaram, muitos quadros nasceram de telas brancas, os dias se sucederam às vezes lentos, mas na maioria das vezes em desabalada correria. Enfim deveria estar dormindo , mas matei a saudade...
Hoje reli algumas páginas de Rubens Alves, lindo este pequeno texto:
"Quando começo a escrever, deixo de ser dono de mim mesmo. Fico à mercê de ideias que nunca pensei. Elas aparecem sem que eu as tenha chamado e me dizem: 'Escreva!' Não tenho alternativa. Obedeço. Cummings, referindo-se à um livro seu, em vez de dizer 'Quando eu escrevi esse livro' , disse 'Quando esse livro se escreveu'. Não foi ele, o livro já estava escrito antes, em algum lugar. Ele só fez obedecer às ordens que o livro lhe deu."

Bernadeth Rocha


Foto: Um bom lugar para ler um livro. em Ubatuba.- ...se pudesse, leria sempre lá!

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Ainda lembranças...



"A vida tão simples é boa..."música maravilhosa que encantou nossos ouvidos nas vozes de Ana Carolina e Seu Jorge. Muitos cantarolaram a música enquanto corriam desnorteados por avenidas , parando nos congestionamentos , enquanto maldiziam o calor sufocante , resultado do efeito estufa.
Parados no próximo semáforo (droga, tinha que fechar agora!!!!) fecharam o vidro  rapidamente, medo de um assalto.
"Há quem acredite em milagres,
Há quem cometa maldades..."
Alívio quando o verde sinalizou uma saída da angústia de estar parado num cruzamento perigoso.
Ansiedade por poder chegar em casa  e encontrar os seus em segurança.
"É isso aí!
Um vendedor de flores
Ensinar seus filhos a escolher seus amores"

Por isso amo lembrar dos morros verdejantes de Pilar do Sul.
Amo lembrar de nosso fogão de lenha, o barulho da chama estalando na lenha..
Amo lembrar de minha mãe aventando e escolhendo o feijão na peneira.

Também tenho uma, e dias atrás meu marido comprou alguns quilos de feijão direto do produtor . Veio cheio de pedrinhas, feijões machucados , estragados, metades.
Não teve outro jeito, tive que recordar e escolher . Foi interessante, me fez lembrar o passado quando sentávamos em torno da mesa, eu, minha mãe e minhas irmãs e íamos escolhendo enquanto conversávamos animadamente, meio saco de feijão. Nem víamos o tempo passar.
Também traz a lembrança a época da colheita do feijão, em que tios e vizinhos vinham para ajudar a "maiar " o feijão. No fim do dia, a criançada da vizinhança se reunia para inventar brincadeiras com a palha do feijão. Íamos dormir exaustos e com o corpo todo cortado, mas incrívelmente felizes.
Quem viveu assim sabe o que essa frase significa:
"A vida tão simples é boa..."

Quadro: detalhe de "Meu mundo perfeito" em que os vizinhos de minha casa , Seu Dubino e seus filhos, maiam o feijão à moda antiga.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Lembranças que me fazem sonhar.


Sou sonhadora de nascença...
Nascer na beira de um riacho, numa cidadezinha do interior, e ser a caçula de sete irmãos deve ter tido esse preço.
Minha mente é recheada de lembranças, que às vezes são tantas que se misturam aos sonhos e nem sei ao certo onde é a linha tênue que separa lembrança de sonho.
Só sei que os morros eram verdes, com certeza tiveram seus dias de seca e estiagem prolongada, mas em meus sonhos a erva não se seca.
Talvez houve dias em que a comida foi escassa, que o frio foi inclemente.
 Mas como gostava de ver a geada depois das longas noites de inverno; achava lindo o brilho do sol cintilando na grama, nem ligava pras mãozinhas geladas. O que valia era sentir o céu intensamente azul. Sentir o rosto afogueado pelo calor das labaredas, sentada no banquinho em cima do fogão de lenha,  vendo o alaranjado cromo  das labaredas lambendo o bule de café.. Nada mais importava.
Acho que  vem daí a minha paixão pelo frio, eu não vejo a dificuldade da família de pouco meios, mas o calor do fogo e o aconchego do colo da mãe carinhosa , minha mãe Maria, que doce como quase
 todas as Marias que conheci,  sabia minimizar a dor.
Com certeza houveram muitas lágrimas, mas em meus sonhos elas foram enxugadas.
O tempo não as deixou em meus olhos...
Deixei ficar os morros verdejantes, as pipas colorindo o céu, as labaredas no fogão de lenha, o aroma delicioso do bolo "apressado"feito com polvilho e que nunca mais provei...
Deixei ficar em meus sonhos as brincadeiras com os vizinhos,a Aninha, o Júlio, o Luisinho da "Maria do Tico Leite" (é assim que se diz em Pilar do Sul: João da Maria e Maria do João)
A amizade sincera com os seis irmãos: Zézinho, Izildinha, Mara, Ciça, Tere e Cinira, que me ensinou a apreciar o por do sol.
Ainda ecoa em minha mente as deliciosas gargalhadas , o riso fácil daqueles que também sabiam que é preciso bem pouco para poder sonhar...
O tempo deixou marcas, é claro, em alguns mais profundas do que deveriam ser. Mas as cicatrizes existem para provar que é possível se regenerar, e o processo depende mais de nós do que do próprio tempo.
Ao olhar para trás , ou melhor, para dentro de mim, encontro um mundo de utopia, ingênuo, em que as cores fortes evocam lembranças , onde os sons e os aromas me remetem à uma infância feliz.
Muitos, ao contemplar o "Meu Mundo Perfeito" , dizem:
-" sua infância foi num lugar maravilhoso assim?"
Digo:
-Foi, porque eu tirei as pedras, os espinhos, as lágrimas e só ficou o que eu aprendi a amar.

"Meu mundo perfeito"-óleo sobre tela, arte naif de Bernadeth Rocha


sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Lembranças que me fazem chorar.



Não sei porque a melancolia me alcançou hoje.
Corro tanto, tenho dias tão ocupados desde o nascer do sol, até o relógio me avisar que outro dia começa, que não tem como parar e pensar...
Quando paro, leio.
Ontem terminei , com muitas lágrimas, de ler uma história verídica sobre o amor de um homem e um gato. "Pegadas ao luar" de Denis O'Connor, conta a história envolvente de um inglês que salva uma gata da raça maine coon de uma armadilha, porém ela não sobrevive e ele decide ficar com um dos filhotes. Vale pela descrição maravilhosa dos campos e montanhas onde o autor vive,  de seu chalé de pedra e seus jardins. Para mim que amo os felinos (tenho o Fred e a Mila) as aventuras do gato preto e branco, suas aprontadas e o amor que se desenvolve entre os dois , tornou prazeroso cada capítulo. Infelizmente, assim como em Marley e Eu, de John Grogan, histórias verídicas, tem um fim.
Também tive minha história com o Betão, que apareceu como Negão em meu atelier. Olhos castanhos, mansos , doces , implorando um afago , um carinho. Cachorro magro, cansados de maus tratos de um dono insensível. Um dia descobri que seu nome na verdade era Max. Começou a aparecer pontualmente as onze horas, sabia que ali teria água e comida. Em pouco tempo, estava morando em minha casa. Companheiro inseparável em minhas caminhadas, sentia-se feliz só em me ver calçar o tênis, e lá íamos os dois , ele chamando a atenção por seu pelo ser de um negro verdadeiro, brilhante. Muitos pediram para passar a mão para sentir a maciez de sua pelagem, acredito que seria alvo de inveja de muitos cães de raça que não saem dos petshops.Nem sei dizer com precisão quanto tempo durou nosso companheirismo. Mas um dia percebi que sua natural magreza parecia se evidenciar. A veterinária suspeitou de erliquiose, a doença do carrapato além de uma anemia profunda. Nem as vitaminas e os remédios administrados foram suficientes. Precisou de uma internação, novos exames. Porém antes que se fizesse um ultrasom para constatar um possível cancêr, depois de uma noite mal dormida percebi que suas forças se esgotaram. Eu e minha filha, em meio a muitas lágrimas , decidimos pelo sacrifício, para abreviar seu sofrimento . Mas sempre me lembrarei de nossos últimos momentos. Eu aquecia seu corpo gelado com garrafas pet cheias de água quente envoltas em mantas,e acariciava seu pelo já não tão macio como era anteriormente. Ele ergueu os olhos mais uma vez, e com aquele olhar doce parecia me dizer adeus.Quem ama os animais, os gatos e os cachorros sabe do que eu estou falando. Da cumplicidade e companheirismo, do amor incondicional que esses bichinhos sentem por seus donos .Outros animais vêm em nossas vidas, mas eles são insubstituíveis.Quando saio agora caminhar sozinha, pois é impossível levar a Sophia, uma waimaraner  espeloteada e destrambelhada que agora vive comigo , me lembro de nossa última caminhada. Betão já estava doente, quis levá-lo pois sabia o quanto gostava dessas caminhadas noturnas. Mas não fomos longe. Seu passo era lento e pesado, precisei parar umas três vezes, para descansar . Mas valeu como uma despedida e hoje tudo são recordações.
...é, acho que descobri porque  a melancolia me alcançou hoje...

segunda-feira, 11 de junho de 2012

"Um bom lugar pra ler um livro " I


Amo este tema. Já retornei muitas vezes à ele, e acho que poderia passar minha vida criando esses lugares de deleite.Já sentiu o prazer de mergulhar nas páginas de seu livro preferido a ponto de  esquecer de tudo ao seu redor ? Conhecer pessoas, visitar lugares imaginários,viver situações que na sua vida real nem cabem? Nada substitui o prazer de deslizar os dedos pelas páginas ,
Tentei ler um livro na tela do computador. A luminosidade cansou rápido os olhos. As  mãos desocupadas sentiram a ausência das páginas a serem acariciadas, o olfato procurou pelo aroma sutil do papel. Desisti, um amigo tinha o livro e terminei de lê-lo em meu cantinho preferido. Sempre começo meu dia mergulhada na leitura, nem que sejam poucos, mas preciosos minutos. O Fred, meu gato, se apressa em se aninhar em meu colo para mais um cochilo. Às vezes, até leio algumas páginas a mais só para não interromper o sono do bichinho. 

Um bom lugar pra ler um livro I - óleo sobre tela- de Bernadeth Rocha


(Este é meu cantinho preferido, e este é o Fred, minha boa companhia.)