Na parede em frente de meu computador, tenho um painel com fotos, daqueles com imãs que qualquer rajada de vento mais forte manda tudo ao chão.
São momentos, fragmentos de dias já vividos. Minha familia sempre foi fanática por fotografia. Na época dos filmes sempre ficava a angústia de esperar a revelação para ver o resultado, se seriam boas ou ruins. Mas pelo menos a gente revelava e assim as fotos iam se acumulando. Um dia minha filha resolveu organizá-las por datas, colando as fotos em sulfites e colocando naquelas pastas plásticas. Formou 6 grandes álbuns, na lombada marcou os anos que ali ficaram registrados. Começa com minha única foto de bebê tirado pelo único fotógrafo da cidade, o 'Seu Mingote'.
É uma pequena foto em preto e branco de 1960 em que estou sentada , bem carequinha, numa cadeirinha de balanço, de vime, e meu irmão Zézinho, todo tímido, cabeça baixa, calças curtas e suspensórios.em pé com a mão na costa da cadeira. Depois vem uma de meu marido, uma graça, também p & b , com um macacão curto, todo arrumadinho. Deve ser de 1958. Nossas lembranças, juntos, encheram só uma sulfite e meia, na verdade só temos 13 fotos para recordar infância e adolescência. Mas são tão valiosas.Que delicia ver aquele meu rostinho redondo com 11 anos na formatura do "Grupo Escolar Padre Anchieta" , com o Nézinho, que foi meu padrinho. Coitado, apesar de ser um dos bem-nascidos da cidade( era filho dos donos da padaria em que minha irmã trabalhava) morreu de overdose, o preço do álcool e da droga.
Tem uma outra que vale a pena ver. Meu marido naquela clássica foto na mesa da diretora da escola em frente a bandeira nacional. Ele disse que não conseguia parar de rir,tiraram assim mesmo. Ficou muito engraçada.
A foto revela o pestinha que ele era, um típico Zezé da Vila Assis onde nasceu. Assim como ele em Meu Pé de Laranja Lima, bastava acontecer algo de ruim , alguém já dizia:
-Só pode ser o filho do Tico!
Como é gostoso quando ele começa a contar alguma das histórias que ele coleciona de sua infância.
Já meu filhos têm muitas fotos. Quantos bons momentos registrados. De vez em quando me perco a recordar tantas viagens , tantas brincadeiras, festinhas. Tinha uma, por ex ,que eles fizeram por anos seguidos. Era a "Festa de Melhor Pai e Melhor Mãe do Mundo" Eles economizavam toda e qualquer moeda que ganhassem por um bom tempo e vendiam seus papéis de carta , bibelôs, figurinhas e outros badulaques que fossem vendáveis. Com o dinheiro já em caixa, bolavam apresentações de dança, peças de teatro e homenagens. Tudo em secreto. Aí, um belo sábado eles davam uma idéia , que eu fosse visitar minha mãe , " ela deve estar com saudades de você" Eu ia fingindo que não tinha percebido nada, assim como eu e marido fingíamos estar surpresos quando chegávamos de volta. A casa estava toda arrumada e decorada, o sofá com uma colcha transformara-se no trono em que o Melhor Pai e a Melhor Mãe do Mundo se sentavam como reis. E vinha as apresentações, todos vestidos em trajes de gala. Depois a festa, o bolo que elas mesmo fizeram, os brigadeiros, as bexigas. Nos divertíamos a valer. Me sinto emocionada só em lembrar quantos momentos felizes eles nos proporcionaram. Essa festa se repetiu por anos, sempre como "festa- surprêsa". Na última já eram adoslencentes, mas continuavam puros em suas emoções e motivações.
E as fotos estão ali, para provar que isso realmente aconteceu. Não foi apenas um sonho ou um anseio. Assim como todos os outros que vejo em meu painel: um dia em Brotas, todos cansados de ir em tantas cachoeiras, nós dois em Campos de Jordão, estava tão frio que não se vê a serra lá embaixo; Cantina da Tia Lina em São Roque, Joanna e Leandro, lindos no dia de seu casamento, Praia de Juquei, Parque do Ibirapuera, onde fomos tantas vezes caminhar apesar de ser tão longe; meus amigos Adriana e Nivaldo numa foto muito engraçada, Mariana e Joanna quando eram pequeninas e fofinhas, Carol em Alambari entre flores amarelas, eu e meus filhos num alegre Congresso de Distrito em Cesário Lange. Enfim, momentos, fragmentos de dias vividos.
Só o hoje nos pertence. O dia de ontem passou como uma bruma que se esvai ao nascer do sol. O dia de amanhã , nem sabemos se existirá . Por isso procuro viver intensamente cada momento, e se dá, registro numa foto, porque elas nos dão uma colcha de retalhos da imensidão que pode ser nossa vida.
Hoje, com as incríveis máquinas digitais até deletamos um pouco das fotos tiradas.
Foto da "Festa de Melhor Pai e Melhor Mãe do Mundo" de 1989.